segunda-feira, 2 de maio de 2011

A polêmica em torno da certidão de Obama


Entenda quando começou essa história toda e seus desdobramentos

Foi o poeta, dramaturgo e matemático francês jansenista Jean Baptiste Racine (1639-1699) quem criou e popularizou a seguinte frase, hoje bastante comum: “Não há segredo que o tempo não revele”. Racine está parcialmente certo. A maioria dos segredos é mesmo revelada com o passar dos anos – às vezes, depois de décadas; outras vezes, após séculos. Porém, não resta dúvida de que, por outro lado, alguns segredos terminam “segredos eternos”, só sendo claras todas as informações sobre esses casos para Deus e os personagens que levaram-nas para a sepultura. Digo isso a propósito da revelação – depois de mais de três anos de clamores e de processo judicial – daquela que seria a certidão de nascimento original do hoje presidente dos EUA, Barack Hussein Obama II, cujo desfecho dessa história em torno da sua certidão só a torna ainda mais estranha. Para quem eventualmente não acompanhava a história (por só seguir os “releases” da CNN e do “New York Times” – ambos pró-Partido Democrata – reproduzidos com fidelidade canina pela maior parte de nossa imprensa), vamos a um resumo dessa história. No início de 2008, durante as prévias do Partido Democrata (PD) para escolher seu candidato oficial à Presidência dos EUA, Phillip J. Berg, um advogado da Pensilvânia, filiado há mais de 30 anos ao PD, tendo inclusive já se candidatado em várias oportunidades pelo PD em eleições locais, acusou o então pré-candidato à Presidência Barack Hussein Obama II (que disputava a nomeação pelo seu partido com Hillary Clinton, a preferida de Berg) de não ter provado legalmente ser cidadão americano, apresentando uma certidão de nascimento falsa. Segundo Berg, ainda havia fortes indícios de que Obama não nascera na América. Se comprovada toda essa história, simplesmente o democrata não poderia se candidatar à Presidência, porque, pela Constituição dos EUA, só podem ser presidentes daquele país os cidadãos nascidos na América e que sejam naturais desse país (ou seja, que além de nascidos na América, seus pais sejam também cidadãos americanos). Logo após Obama ganhar as prévias no PD, Berg, que era militante pró-Hillary, entrou com uma ação contra Obama. Em 15 de setembro de 2008, intimações foram enviadas ao réu, ao registro civil e ao hospital onde Obama dizia ter nascido, solicitando que se apresentasse a certidão até o dia 24 daquele mês. Ao invés de mostrar a certidão e, assim, acabar com o processo no ato, Obama entrou com um pedido de dispensa, alegando que Berg não oferecera provas suficientes para justificar a abertura do processo e que também não tinha legitimidade como queixoso, por não ter sofrido dano pessoal no caso. Cinco dias depois, Berg respondeu dizendo que, como militante e contribuinte do Partido Democrata há 31 anos, ele estaria sofrendo, sim, prejuízo de uma candidatura falsa que desmoralizaria o seu partido caso confirmada. Mas, Obama, estranhamente, continuou insistindo em não mostrar a certidão original. Seus advogados conseguiram liminares que impediam a investigação e até mesmo entrevistas com alguns familiares dele, como sua avó no Quênia, que na época da polêmica dissera em entrevista a uma rádio e a uma tevê que seu neto famoso não nascera nos Estados Unidos. O processo prosseguiu, subindo em instâncias, e até janeiro de 2009, mês em que assumiria a Presidência dos EUA, Obama e a sua campanha já haviam gasto cerca de dois milhões de dólares em processos para impedir que a existência de sua certidão fosse investigada. Em 2009, o caso chegou à Suprema Corte e outros processos similares começaram a correr, inclusive o de um militar que se recusava a aceitar as ordens de Obama por não considerá-lo legalmente presidente de seu país. E por essa época, o site www.obamacrimes.com, do advogado Phillip Berg, criado em 2008 para tratar do caso, já ultrapassara a marca de 30 milhões de acessos. O site ainda está vivo e ativo, com mais de 50 milhões de acessos, e nele Berg está sustentando agora que a tal certidão revelada nesta semana seria falsa. Foi só a partir de meados de 2009 que alguns republicanos começaram a levar mais a sério essa questão da certidão de Obama, que até então era polemizada apenas por democratas dissidentes e por políticos independentes conservadores, como o ex-republicano Alan Keyes, que há anos fundou outro partido, e o escritor Jeremi Corsi, cujo livro que escreveu falando, entre outras coisas, sobre esse assunto vendeu na América quase 2 milhões de exemplares. Inicialmente, os republicanos haviam se contentado com a versão eletrônica resumida da certidão de Obama, que ele apresentara para poder se candidatar em 2008. O PR achou deselegante não acreditar na boa-fé do seu oponente naquelas eleições. Porém, uma série de acontecimentos levaram os republicanos a se interessarem pelo assunto. Primeiro, o site conservador World Net Daily (WND), que resolvera dedicar-se um pouco à polêmica desde o final de 2008, por sua grande audiência, acabou reverberando-a intensamente (Para quem não sabe, o WND é um dos sites de notícias mais acessados do mundo, com mais de um milhão de acessos por dia). Segundo, boa parte da população começou a se manifestar pressionando Obama. Por exemplo, centenas de outdoors foram espalhados em todos os Estados dos EUA desde 2009 com a pergunta: “Obama, onde está a certidão?”. Além disso, o governo Obama perdia popularidade rapidamente (Obama é o presidente dos EUA que mais rapidamente perdeu a popularidade: ainda no primeiro ano de mandato, em menos de dez meses de mandato). E como se não bastasse tudo isso, foi divulgado em 2009 um abaixo assinado com milhões de assinaturas de norte-americanos pedindo a Obama que mostrasse a sua certidão. O movimento ganhara força. Até o recém-criado Tea Party também se interessou pelo assunto. Radialistas conservadores, idem. Ventilou-se até que Obama colocara Hillary Clinton no seu governo, apesar da ferrenha oposição que ela fizera a ele dentro do PD nas prévias e o engajamento praticamente zero na campanha dele à Presidência, porque o presidente talvez estivesse “na mão dos Clinton” por causa da história da certidão. Por fim, como Obama insistia estranhamente em não mostrar a certidão original, a bola de neve foi crescendo e finalmente chamando a atenção dos republicanos e da nação como um todo, que independente da polêmica, em fins de 2009, já estava majoritariamente desaprovando o governo do democrata. Assim, o contexto levou um ou outro republicano a começar a abordar o tema publicamente. Em 2011, de cada 10 americanos, 3 (cerca de 60 milhões) não acreditavam que Obama havia nascido nos EUA; e entre os republicanos, 4 em 10 não acreditavam. Culpa de quem? De Obama, que durante os últimos 40 meses deixou que essa dúvida fosse alimentada ao negar-se mostrar a certidão original de nascimento, gastando, inclusive, milhões de dólares, boa parte de seu próprio bolso, para não revelá-la. Ora, se ela existia, segundo ele dizia, por que negar-se a mostrá-la? Por que não mostrar logo e acabar com essa história toda? Quando o então pré-candidato republicano à Presidência John McCain foi questionado em 2000 quanto a ter nascido realmente em local considerado território americano, e seus opositores cobraram sua certidão de nascimento original, em poucas horas McCain apresentou a sua certidão de nascimento original e sepultou a questão em seu nascedouro. Por que Obama fez exatamente o contrário, deixando a coisa se arrastar por 40 meses (Mais de três anos!), inclusive se obrigando a gastar milhões de dólares nos últimos 2 anos e 7 meses para não revelá-la, e viver o estresse dos tribunais? Que lógica é essa? Não, eu não duvido que a certidão de Obama apresentada nesta semana seja original, apesar de sua autenticidade ainda estar sendo questionada (vejam nos sites www.obamacrimes.com ewww.wnd.com). O que me intriga é a atitude de Obama, que não tem razão de ser, porque, obviamente, só o prejudica. Por que Obama fez isso? Por quê? Foi justamente porque ele o fez que criou margem para que ainda hoje se fique com “uma pulga atrás da orelha” em relação a essa história toda, mesmo Obama já tendo mostrado a certidão. Obama só cedeu depois que a pressão para que mostrasse a certidão chegou a um nível tal que os questionamentos públicos sobre o assunto na mídia aumentaram nos últimos dias, dentre eles os do bilionário Donald Trump, um dos pré-candidatos à Presidência pelo Partido Republicano, e de pastores como Franklin Graham, muito respeitado na América. Com a revelação da certidão original há quatro dias, alguns processos contra Obama podem finalmente desaparecer. Entretanto, um ainda continuará: aquele que questiona na Suprema Corte que, mesmo que ele seja nascido nos EUA, ainda não poderia ser presidente por não ser natural do país. Como assim? Como disse parágrafos acima, só podem ser presidente dos EUA os cidadãos nascidos nos EUA e que sejam naturais do país, ou seja, que além de nascidos na América, os pais sejam cidadãos americanos. Ora, sabemos que a mãe de Obama era americana. O problema é que seu pai não era cidadão americano. Logo, Obama é americano, mas tecnicamente não poderia ser considerado natural da América. Lembrando que um presidente dos EUA teve sua condição de natural da América questionada, e quase caiu do poder, justamente por essa questão: o presidente republicano Chester A. Arthur (1829-1886), 21º presidente dos EUA, que presidiu o país de 1881 a 1885. No caso de Arthur, primeiro se questionou se ele teria nascido nos EUA ou no Canadá, e foi comprovado que nasceu nos EUA. Depois, surgiu outro problema: a mãe dele era americana, mas o pai era irlandês. Parecia que, finalmente, as coisas se complicariam, mas Arthur não caiu porque, na época, se aceitou para resolver o problema legal o fato de que seu pai havia, posteriormente ao nascimento do filho, se naturalizado americano. Em 1843, quando Arthur tinha 14 anos de idade, seu pai se naturalizou americano. Dessa forma, Arthur escapou de perder a Presidência. Entretanto, no caso de Obama, seu pai não é cidadão americano – e sequer estava na América quando o filho nasceu. Seu pai era cidadão queniano e britânico (até 1963, o Quênia era colônia britânica). Logo, Obama é o primeiro presidente dos EUA em que um de seus pais não é cidadão americano. Apesar disso, é pouco provável que a Suprema Corte deslegitime a presidência de Obama. Mui provavelmente, preferirá relativizar a conceituação de "cidadão natural", aceitando que ela se aplique em casos em que a pessoa nascida na América só tenha um dos pais como cidadão americano. Até porque, se seguir o rigor conceitual e fizer com que Obama seja deslegitimado como presidente, a Suprema Corte criará um caos jurídico no país, porque todos os atos de Obama como presidente, desde a sua posse em 20 de janeiro de 2009 até hoje, seriam ilegais. É muito pouco provável que a Suprema Corte decida assim. De qualquer forma, nas próximas semanas ou meses, ainda veremos cenas dos próximos capítulos dessa novela. E tomara que, no decorrer dessa história, como diria Racine, o tempo nos revele as razões pelas quais o senhor Obama fez tanto suspense em torno dessa certidão. Não pode ter sido por causa da não-cidadania americana do pai, porque disso todos já sabiam e fizeram vista grossa no pleito de 2008. Por que, então, Obama? Por quê?